quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Parem de conversar!

'Que coisa (difícil) o encontro sincero. Onde encontram-se as almas?

Espíritas, revistas semanais e pré-adolescentes em encontros catequistas perguntam: Para onde vão as almas depois que se morre?

Eu hoje pergunto: Para onde foram as almas de quem se diz vivo?


Enquanto eu tive entre 8 e 15 anos, professores da escola onde freqüentei tiranizavam eu e meus colegas e amigos dizendo: parem de conversar!

Acredito que isso deva ter sido realidade para a maioria da minha geração. Não presenciei outras “salas de aula”, mas as crianças pareciam bastante iguais para mim.

Pois bem, acho que a técnica do “parem de conversar” funcionou muito bem.

Eu não vejo mais ninguém conversando. A minha geração não conversa mais.

Frequentei minha escola milhares de dias, durante muitos anos e durante tantas horas todos os dias que pensava que seria uma tortura que não iria acabar nunca. A professora escrevia no topo do quadro: 01/04/85. Ali começava a lição de matemática número 1.

Não lembro exatamente em que momento da vida ensinaram-me ler as horas. Mas sei porquê o fizeram: para que eu e meus colegas/amigos soubéssemos quantas voltas de ponteiro precisaríamos contar para que nos liberassem daquele castigo, para que pudéssemos voltar a vida.

Com a data no canto do quadro quadrado, o quadro redondo em cima dele e o cara pelado pregado na cruz – na frente de todos nós, aprendemos:

Além de matemática, cálculos complexos de vários níveis: Quantas voltas do grande até o recreio? Quantas voltas do pequeno até a minha casa... Quantos dias até acabar a semana? Quantos dias para acabar o mês? Quantos meses até chegar as férias? Quantos meses até acabar os anos? Quantos anos para sair do colégio? Pergunto agora: Quanto tempo que era da vida?

Pouco me lembro desses milhares de dias. O “conteúdo” evaporava-se assim que eu rompia correndo com uma bola na mão. As únicas e fortes lembranças que eu tenho desses milhares de dias foram das repreensões que sofri: verbal, emocional e até documental – todas oriundas da famosa técnica de suspensão da conversa. Lembro, em intensidade menor é claro, de situações semelhantes que aconteceram com pessoas que tinha muito carinho, que passaram por esses anos comigo e que continuam do meu lado, agora que estamos cumprindo o “resto da pena em liberdade”.

O que eu vejo agora, é que as seqüelas desse tempo nos meus convivas parecem maiores. Neles, as técnicas mostraram-se muito mais eficazes.

Começa-se sempre pelas condições meteorológicas, emenda-se factóides retirados dos meios de comunicação, assuntos relacionados ao trabalho, pessoas alheias, filmes, esportes, televisão, mulheres/homens, espetáculos culturais e qualquer outra atividade relacionada ao entretenimento.

Entretenimento. A minha geração hoje faz dos encontros um grande espetáculo de entretenimento. O que outros podem referir-se como uma conversa, eu, nesse contexto, denominaria bate-papo, um chat como aqueles da internet – tudo parece vir de um programa sintético, uma entidade maior.

Pergunte o que foi falado em um encontro no qual você não foi testemunha:

Condições meteorológicas, factóides retirados dos meios de comunicação, assuntos relacionados ao trabalho, pessoas alheias, filmes, esportes, televisão, mulheres/homens, espetáculos culturais e qualquer outra atividade relacionada ao entretenimento.

E as pessoas continuam a não conversar.

Na verdade, existe geralmente uma primeira tentativa: Tudo bem contigo?

Mas como conversar ou é proibido, ou é muito (difícil), esse início costuma ser resumido para um Tudo bem?, ou dependendo da “intimidade” chega-se num E aí?.

As respostas, é claro, são respondidas prontamente! Iniciantes vão de Tudo bem! E tu? enquanto os iniciados já emendam profissionalmente: Belê!.

E assim, acaba-se de uma maneira rápida e eficiente a conversa, para a alegria de todas as nossas eficientes “profes”.

Depois disso, clica-se em ENTRAR e inicia-se o robótico chat!

E socialmente, por convenção, considera-se chato aquele que responde um singelo “Como vai?” com uma resposta sincera, independente se curta ou longa. Puxa-saco, grudento ou enfadonho aquele que responde manifestando a alegria de estar se encontrando com a pessoa, manifestando a felicidade da oportunidade do encontro.

“Responda brevemente e com simpatia, pois na verdade, ninguém quer saber da sua vida” escreve a moça de etiqueta nas páginas do best-seller ou nas páginas do tablóide colorido.

Chato, grudento e enfadonho é passar horas tagarelando com pessoas que ficam vomitando tudo o que não é importante ou supérfluo. Minha geração acredita em (e acha bom) fantasias do entretenimento, cada vez mais superficiais e fantásticas. Tagarelam sobre fábulas sem sentido e não percebem a inexistência de obras de ficção baseadas na realidade. Entretem-se com histórias surreais (poucas) e irreais (quase todas). Efeitos digitais que reproduzem o inexistente são celebrados mais do que qualquer emoção sincera. Artistas de plástico, produtos brilhosos, pessoas voláteis e contextos fugazes.

2 comentários:

Leandro Rizzi disse...

Fiquei sem net em casa a semana inteira. Na realidade fiquei sem casa a semana inteira, mas enfim, venho até aqui a fim de ver se havia atualizado o blog e me deparo com mais do que um mero post: sou surpreendido por textos longos de sua parte.
Pelo visto gostou da brincadeira.
Que bom.
Vida longa ao endereço.

Cinthya Verri disse...

Amei Factóides.
que vivo, Cley.
Beijo meu.